Os brasileiros já convivem há um tempo com políticas públicas muitas vezes ineficazes. Mas, é importante ressaltar que essa não é uma realidade exclusiva do Brasil.. Nas democracias modernas pluralistas há muita complexidade nas demandas da população por ações e políticas estatais que, muitas vezes, esbarram tanto na falta de recursos públicos (incluindo mão de obra especializada) e, no caso de países com dimensões continentais e uma grande população (como é o caso da realidade brasileira), aplicar políticas públicas pode ser um enorme desafio.
Com o surgimento de tecnologias cada vez mais interativas, novas possibilidades emergiram para os servidores públicos, especialmente para a participação ativa dos cidadãos como agentes centrais nas elaborações, diagnóstico e monitoramento de políticas públicas.
"Antes de elaborar uma política, o ideal seria conhecer minimamente o seu público alvo, as suas necessidades, demandas, visão de mundo e ninguém consegue acessar isso tão bem quanto um etnógrafo/a." Lucilda Cavalcante, Antropóloga
Isso já é uma realidade e a participação da população neste complexo processo tem um enorme potencial de engajamento democrático e a garantia de mais transparência ao setor público. Mas, afinal, como criar mecanismos de escuta participativa e eficiente com a população?
A etnografia (método científico usado nas Ciências Sociais, especialmente na Antropologia) vem se consolidando como um instrumento valioso para elaborar políticas públicas direcionadas à realidade de grupos sociais específicos e, dessa forma, mais eficientes.
Para conversar mais sobre o uso da etnografia no setor público, vamos bater um papo com a antropóloga Lucilda Cavalcante, doutoranda do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora vinculada ao Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC) e ao Grupo de Pesquisa Poder, Violência e Cidadania (CNPq/LEV/UFC).
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1️⃣ LUCY, PRIMEIRAMENTE OBRIGADO PELA DISPONIBILIDADE PARA ESSA ENTREVISTA! É UM PRAZER BATER ESSE PAPO CONTIGO. ANTES DE TUDO, VAMOS SITUAR O NOSSO LEITOR. VAMOS LÁ: O QUE É ETNOGRAFIA?
LUCY -> Essa pergunta parece simples mas é crucial para começar o debate pois tem havido muita confusão sobre o que é, de fato, etnografia. Primeiramente, a etnografia não se resume à observação, tampouco à experimentação dos hábitos ou costumes de um grupo social. Esta se trata da técnica de observação participante, que pode ou não ser usada para fazer etnografia. É apenas uma parte dela, não o todo. A etnografia é a escrita rigorosa e minuciosa de uma realidade social. Por isso, a etnografia é, para além de método científico, também uma forma de produzir teoria social, pois à medida que escrevemos sobre uma realidade empírica, vamos compondo interpretações teóricas sobre a mesma. E isso é o mais legal da etnografia, construir teoria social a partir da vivência e não o contrário.
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2️⃣ NA SUA VISÃO, QUAL O PAPEL DA ETNOGRAFIA NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS?
LUCY -> A etnografia pode ser uma ferramenta poderosa na mão de governos! Com a etnografia conseguimos conhecer a fundo os comportamentos de um grupo ou de um contexto específico. Isso é muito poderoso quando falamos em criação, implementação e avaliação de políticas públicas. Antes de elaborar uma política, o ideal seria conhecer minimamente o seu público alvo, as suas necessidades, demandas, visão de mundo e ninguém consegue acessar isso tão bem quanto um etnógrafo/a. Lembrando que etnografia se faz com tempo e rigor, então a riqueza de detalhes que a etnografia produz tem papel importantíssimo na otimização dos resultados de políticas públicas.
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3️⃣ A ANTROPOLOGIA É UMA CIÊNCIA MADURA E ESTABELECIDA. DE FORMA MAIS AMPLA, COMO VOCÊ ACHA QUE A ANTROPOLOGIA PODE CONTRIBUIR PARA A CRIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS QUE GEREM IMPACTO SOCIAL E REALMENTE FAÇAM A DIFERENÇA PARA AS PESSOAS?
LUCY -> Muitas vezes vemos a criação de políticas públicas complexas, que manejam um planejamento orçamentário gigantesco, sendo criados para atender a população sem antes de fato ouvi-la, sem conhecer suas reais necessidades, suas dores e sobretudo, a sua percepção/visão sobre os próprios problemas que enfrentam. Pensando neste sentido, a antropologia tem potencial para construir política pública de uma forma inovadora, junto à população e não sobre ou para ela. Vale lembrar que não é nenhuma novidade a antropologia trabalhar junto a governos para construir políticas que gerem impacto social e transformem os rumos da sociedade, vêm fazendo isso desde os primórdios da disciplina.
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